É notável a
frequência com que Thiago Mattos usa a palavra “coração” neste livro. Mas que
não se espere com isso uma poesia sentimental ou sensível em sentido
tradicional. Aqui, pulsando escandido ao ritmo de poemas decimais, que marcam “pausas no fluxo de poemas”, em
intervalos capazes de jogar o leitor em uma estranha temporalidade de instantes
oscilantes, entre o extremamente curto e o infinitamente
longo, o coração pensa e traduz. O coração, “degolado” e “arregalado”, escancara-se e torna-se um comparante para tudo ou quase tudo aquilo de
que se pode falar: olhos, cabeça, céu, pedra, mundo, sexo, luz, sombra.
Alguma
futura pesquisa de sociologia dos autores talvez registre Thiago como poeta que
fez estudos de literatura francesa na Universidade. Contudo, é preciso apontar
que essa formação não aparece jamais no livro como projeto de poder, ou ornamento
destinado a deslumbrar o leitor. Ao contrário, sente-se nele um raro
despojamento, que revela o que de melhor a prática profunda da leitura pode
produzir: um pensar nu, uma liberdade
quanto ao saber, que já é pensamento.
Por esse
viés, há algo que lembra Georges Bataille nessa poesia de figurantes que, de
tão simples, aparecem como arcaicos. Ela reescreve em vermelho, sua cor
favorita, vital e mortífera, algo como uma experiência
interior, consagrando e consumindo a vida que assoma na série
surpreendentemente coesa dos fragmentos de que o livro é composto. O seu questionamento
radical permite interpretar o fluxo de
poemas como a poesia em geral, e o poema
como pausa ou corte desse fluxo genérico – portanto, como lugar de vida e morte
da própria poesia. Nada mais poético.
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