Tournier nasceu em Paris, em 1924, tendo estudado Filosofia. Trabalhou por longos anos em emissões de rádio. Literariamente, coloca-se no entremieo da literatura e da filosofia. Sua obra mais conhecida é talvez Vendredi ou Les limbes du Pacifique (da qual trazemos aqui um treco traduzido), em que faz uma releitura de Robinson Crusoé. Dedica-se ainda à literatura infantil
Vendredi
ou Les limbes du Pacifique (trecho)
Tradução:
Thiago Mattos
Sempre
esse problema da existência. Há alguns anos, se alguém me houvesse
dito que a ausência do outro me faria duvidar um dia da Existência,
como eu teria rido! Como eu ria esperando que fosse citado, entre as
provas da existência de Deus, o consentimento mútuo!
“A maioria dos homens, de todos os tempos e de todos os países,
acredita ou acreditou na existência de Deus. Logo, Deus existe.”
Tolice! A mais tola das provas da existência
de Deus. Que miséria, em comparação a essa maravilha de força e
de sutileza, o argumento ontológico!
A
prova pelo consentimento universal. Sei hoje que não existe outra. E
não apenas para a existência de Deus.
Existir,
o que isso quer dizer? Quer dizer estar fora, sistere ex.
O que está no exterior existe. O que está no interior não existe.
Minhas ideias, minhas imagens, meus sonhos não existem. Se Speranza
é apenas uma sensação ou um feixe de sensações, ela não existe.
E eu mesmo não existo senão me evadindo de mim mesmo em direção
ao outro.
O
que vem
a complicar
tudo
é o fato de que aquilo que não existe se obstina a fazer acreditar
o contrário. Há uma grande e comum aspiração do inexistente em
direção ao existente. Como
uma força centrífuga que empurraria para fora tudo o que se move em
mim, imagens, devaneios,
projetos, fantasias, desejos, obsessões. O que não ex-iste
in-siste.
Insiste para existir. Todo esse pequeno
mundo
se empurra à porta do grande, do verdadeiro mundo. E é o outro que
tem a chave. Quando algum
sonho me agitava sobre a
cama,
minha mulher me sacudia pelos ombros, para me despertar e fazer
cessar
a insistência do pesadelo. Hoje, em compensação... Mas por que
incansavelmente retornar a esse assunto?
TOURNIER,
Michel. Vendredi ou Les limbes du Pacifique.
Paris: Gallimard, 2011.
Toujours
ce problème de l’existence. Il y a quelques années, si quelqu’un
m’avait dit que l’absence d’autrui me ferait un jour douter de
l’Existence,
comme j’aurai ricané ! Comme je ricanais en entendant citer parmi
les preuves de l’existence de Dieu le
consentement mutuel
! «La majorité de tous hommes, de tous les temps et de tous les
pays croit ou a cru à l’existence de Dieu. Donc Dieu existe.»
Était-ce bête ! La plus bête des preuves de l’existence de Dieu.
Quelle misère en comparaison de cette merveille de force et de
subtilité, l’argument ontologique !
La
preuve par le consentement universel. Je sais aujourd’hui qu’il
n’y en a pas d’autre. Et pas seulement pour l’existence de
Dieu.
Exister,
qu’est-ce que ça veut dire ? Ça veut dire
être dehors,
sistere ex.
Ce qui est à l’extérieur existe. Ce qui est à l’intérieur
n’existe pas. Mes idées, mes images, mes rêves n’existent pas.
Si Speranza
n’est
qu’une sensation ou un faisceau de sensations, elle n’existe pas.
Et moi-même je n’existe qu’en m’évadant de moi-même vers
autrui.
Ce
qui complique tout, c’est que ce qui n’existe pas s’acharne à
faire croire le contraire. Il y a une grande et commune aspiration de
l’inexistant vers l’existence. C’est comme une force centrifuge
qui pousserait vers le dehors tout ce qui remue en moi, images,
rêveries, projets, fantasmes, désirs, obsessions. Ce qui n’ex-iste
pas
in-siste.
Insiste pour exister. Tout ce petit monde se pousse à la porte du
grand, du vrai monde. Et c’est autrui qui en tient la clé. Quand
un rêve m’agitait sur ma couche, ma femme me secouait par les
épaules pour me réveiller et faire cesser l’insistance du
cauchemar. Tandis qu’aujourd’hui… Mais pourquoi revenir
inlassablement sur ce sujet ?
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