23 de maio de 2013

Jacques Roubaud: Romance II [Roman II]



Dos poetas vivos franceses, Roubaud talvez seja, ao lado de Deguy, o mais conhecido e reconhecido. Nascido em 1932, na região de Rhône, Roubaud é poeta, romancista, ensaísta e professor de matemática. Sua obra é vasta e variada, compreendendo tanto poesia quanto prosa. É membro do grupo OuLiPo, grupo internacional de escritores e matemáticos que se autodefine como um  grupo de “ratos que constroem para si um labirinto do qual se propõem a sair”.
Após a morte da esposa (3 anos após o casamento), Roubaud publica (enquanto obras que tentam “dizer” a morte de Alix Cléo Roubaud) Quelque chose noir (de onde traduzimos o poema a seguir) e Le grand incendie de Londres.
Vale dizer que o poema abaixo traduzido foi também traduzido por Oseki-Dépré em Algo: preto (Perspectiva, 2005).


Romance II
Tradução: Thiago Mattos

É ainda outro romance, talvez o mesmo.

Um homem abandonado, por causa de uma morte, recebe um telefonema. Esse telefonema é um chamado da mulher amada, e morta.

Reconhece sua voz. Ela chama de um mundo possível, outro, em tudo semelhante àquele a que está acostumado, com a única diferença que, nesse mundo, não está morta.

Mas o que ele dirá? o que aconteceu nesse mundo em trinta meses? o que ela lhe dirá? como ele entraria nesse mundo em que o horror não existiu, esse mundo de morte abolida, onde a contínua luta contra a morte, onde teimam nesse combate que aqui, nesse mundo onde é ainda o momento que ele atende o telefone, foi perdido?

Atenderá, e ouvirá sua voz. O mundo em que ainda está (o telefone acabou de tocar, mas ainda não mexeu a mão para atender) será esquecido.

Esse mundo não terá existido. Terá existido apenas como mundo possível, onde foi a morte que existiu, não a vida. Um mundo em que ele continuará sempre pensando, ainda que não seja pensável.

Imaginando, na sua imaginação, quando estará nesse mundo, o mundo em que ela estaria morta. Mas ele não será capaz, afinal, de imaginar.

O telefone não toca. Enquanto não toque o novo mundo, o mundo possível é ainda possível. É ainda possível que o telefone toque, e que a voz que fale seja a voz da mulher amada, e morta.

Sem estar mais morta, sem nunca ter estado morta.

O telefone tocará. a voz que o homem abandonado por causa da morte ouvirá não será a voz da mulher amada. Será outra voz, uma voz qualquer. ele ouvirá. E isso não provará que está vivo.


Roman II
In: ROUBAUD, Jacques. Quelque chose noir. Paris: Gallimard, 2008, p. 53-54.

C’est un autre roman encore, peut-être le même.

Un homme abandonné, à cause d’une mort, reçoit un coup de téléphone. Ce coup de téléphone est un appel d’une femme aimée, et morte.

Il reconnaît sa voix. Elle appelle d’un monde possible, autre, en tout point semblable à celui auquel il est habitué, avec cette seule différence que, dans ce monde, elle n’est pas morte.

Mais que dira-t-il ? Que s’est-il passé dans ce monde-là en trente mois ? Que lui dira-t-elle ? Comment entrerait-il dans ce monde où l’horreur n’a pas eu lieu, ce monde à la mort abolie, où la lutte continue contre la mort, où ils s’obstinent à ce combat qui, ici, dans le monde où il est encore au moment où il décroche l’appareil, a été perdu ?

Il décrochera, et il entendra sa voix. Le monde où il est encore (le téléphone vient de sonner mais il n’a pas encore bougé la main pour répondre) sera oublié.

Ce monde n’aura pas été. Il n’aura été que comme monde possible, où ce fut la mort qui fut, et non la vie. Un monde auquel il continuera de penser tout le temps, quoiqu’il ne soit pas pensable.

Imaginant, dans son imagination, quand il sera dans ce monde, celui où ele serait morte. Mas il ne sera pas, en fait, capable de vraiment se l’imaginer.

Le téléphone ne sonne pas. Tant qu’il ne sonne pas le nouveau monde, le monde possible est encore possible. Il est encore possible que le téléphone sonne, et que la voix qui vienne soit la voix de la femme aimée, et morte. Ayant cesse d’être morte, ne l’ayant jamais été.

Le téléphone sonnera. la voix que l’homme abandonné à cause de la morte entendra ne sera pas celle de la femme aimée. Ce sera une autre voix, une voix quelconque. il l’entendra. Cela ne prouvera pas qu’il est vivant.

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